Agradar ou se desenvolver?

“Brasileiro tem medo de dizer: não”. Procuro ter cuidado com generalizações, mas muitas experiências me dizem que esta “cultura das entrelinhas” é bastante unânime e quem ousa objetivamente procunciar o advérbio “da” negação é mal visto. Mas será?

Saí preocupada de uma reunião de briefing em uma pequena agência de publicidade há muitos anos. Era o início da minha carreira independente, quando me chamaram, por telefone. O projeto era urgente e eu parecia ser uma das pessoas certas para ajudar. De fato, o escopo vinha de encontro ao que eu oferecia.

Após a rápida reunião, voltei ao escritório planejando como seria a execução e orçamento. Entendi que eu precisaria de um desenvolvedor, mas era final de ano e, apesar de ter esse tipo de parceria com profissionais – tecnicamente “acima da média” – eles não costumavam ser pontuais.

Eu era bem mais jovem e queria fechar o negócio pois, além de interessante, possivelmente iria me projetar profissionalmente. Em seguida me lembrei da primeira frase do encontro: “estamos com dificuldades em achar profissionais qualificados, gostamos muito da conversa que tivemos com você, mas precisamos iniciar o quanto antes, pois estamos atrasados – a entrega precisa ser realizada ainda este ano”.

No caminho de volta ao escritório, apesar de entusiasmada, respirei fundo e coloquei na balança a minha realidade, imaginei o desenvolvimento perfeito, o cliente no portfólio e a entrega. Bem… a entrega, possivelmente atrasada.

Então, ao abrir o computador, liguei para meu contato na agência, agradeci o interesse e manifestei minha insegurança com o tempo, recusando o trabalho. Disse que, futuramente, se precisassem de algo semelhante e com mais tempo, estaria pronta e motivada à ajudá-los.

Ele pareceu desapontado e desligamos.

Diante da reação dele, ainda me questionei se realmente não valeria a pena ter arriscado. Não! A chance de atraso por conta da sub-contratação era uma hipótese provável e toda responsabilidade sobre o problema seria minha. Retornei ao trabalho, ainda incomodada por não ter ajudado.

Meia hora depois meu celular toca novamente, desta vez, o dono da empresa. Primeira frase: “- Obrigado, Paiva!” Sem entender direito, imaginando desapontamento e sarcasmo, fiquei em silêncio e ele continuou:

“- Obrigado por ter recusado prontamente. Se os outros fornecedores que contactamos antes de você tivessem feito o mesmo, estaríamos no prazo! Mesmo diante da seriedade do projeto, eles se comprometeram em elaborar orçamentos, mas simplesmente não nos retornaram mais. E esta espera (do combinado) nos fez perder mais de 20 dias!”

Ele só disse isso e se despediu. Foi uma ligação rápida, urgente, mas este mínimo feedback me trouxe um posicionamento sincero, que só reforçou minha assertividade. Apesar de pequeno empresário, ele era muito mais experiente que eu e, certamente seu desabafo me serviu de reforço positivo.

Recentemente, experimentei situação semelhante e, não tive dúvidas ao diagnosticar: “- Vamos encerrar por aqui. Acredito que nosso trabalho não esteja sendo produtivo nem para você, nem para mim, pois nossos objetivos se distanciaram. Manter nosso compromisso inicial – uma vez que nossas circunstâncias profissionais mudaram – só nos fará perder mais tempo e gerará frustração mútua”.

Deixo aqui a reflexão: por mais que nossa cultura tenha nos ensinado que dizer “não” possa soar agressivo, mal educado ou uma resposta a se postergar, será que não é irresponsável, perder seu próprio tempo e o da outra pessoa, simplesmente para evitar o desconforto e estigma do “temido” advérbio?

Na tecnologia se usa frequentemente o termo “errar o quanto antes”, cultura que evita desperdício de tempo produtivo precioso, priorizando o aprendizado rápido com as más experiências. Se apropriar dessa mentalidade é amadurecer e só trará mais competitividade em um mercado cada vez mais veloz.

Será que não poderíamos adequar a mesma lógica à “dizer não o quanto antes”? Afinal, queremos “agradar” ou “nos desenvolver”?

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